Veteranos e jovens com formação em inteligência investigam golpes em seguros
Morte forjada e incêndio proposital estão entre as ocorrências analisadas
Texto: Claudia Rolli
Portal: Folha de São Paulo
Um empresário de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, pediu perda total à seguradora após um incêndio destruir sua loja. Durante investigações feitas na cidade, testemunhas relataram ter visto caminhões retirando mercadorias do local na noite anterior ao incidente.
Lojistas vizinhos também contaram que um carregamento de travesseiros foi feito no mesmo dia do incêndio. A fraude foi constatada e o seguro, negado: o fogo foi provocado pelo dono da loja e destruiu os travesseiros.
Uma família fez um seguro de vida de um filho jovem, com valor elevado. Comprou um cadáver, realizou o falso enterro e informou à seguradora que o filho foi morto em um atropelamento no bairro do Morumbi, em São Paulo.
Os detalhes chamaram atenção dos analistas: o contrato era recente e de valor muito alto, sendo que a família não tinha condições financeiras.
Meses após uma investigação acompanhar os passos da família, o jovem, dado como morto, foi encontrado passeando na casa da sua avó, no interior da Bahia.
As duas histórias estão na lista de centenas de golpes investigados pelo perito aposentado Carlos Alberto Azzolini, 70 anos, 40 deles prestando serviço ao mercado por meio de sua empresa reguladora de sinistros. Em livro lançado no ano passado, “Fraude Contra o Seguro”, ele relata os principais casos investigados.
De escrivão de polícia, perito criminal e diretor do Instituto de Criminalística ele passou a investigar fraudes contra o setor privado de seguros. “Queria ser investigador de seguros desde que assisti, ainda menino, um filme francês com meu pai, sobre um ladrão de joias.”
Azzolini conta que um dos crimes mais audaciosos que passou pelas suas mãos aconteceu há alguns anos, quando uma quadrilha especializada em roubos de carros, no ABC paulista, conseguiu fraudar seguros de mais de 500 veículos.
A investigação durou um ano. No processo, o grupo, que envolvia 80 pessoas, ameaçou o especialista e chegou a manter como reféns dois funcionários de seu escritório.
A quadrilha comprava carros batidos, organizava sinistros fictícios ou “frios” (forjando acidentes e registrando boletins falsos em nome de laranjas) e recebia dinheiro das seguradoras. A história nem entrou em seu livro por motivo de segurança, segundo ele.
O trabalho de profissionais como Azzolini mostra como a investigação “fora da internet”, como ele mesmo diz, ainda é importante no mercado de seguros. “É preciso estar atento aos detalhes, sair da cadeira, perguntar, ir a campo e reconstruir toda a trajetória do roubo ou do acidente para verificar as inconsistências”, afirma.
“Muitas vezes, o caso até aconteceu, mas não exatamente como o segurado descreve”, diz o profissional, que ainda sai às ruas nos processos mais “cabeludos”, como incêndios e mortes suspeitas.
Alan Newman, 50, do escritório NW Consultoria, foi um dos alunos de Azzolini no segmento. Também trabalha prestando serviço no mercado de seguros há 24 anos, depois de atuar na polícia.
Uma das lições mais importantes nessa área, segundo ele, é acompanhar quem já cometeu um golpe, porque é provável a repetição desse comportamento tempos depois.
“A pessoa dá o golpe na seguradora, alegando, por exemplo, que o carro foi roubado. Dez anos mais tarde, vai a outra seguradora, diz que entraram em sua casa e levaram a geladeira, a televisão e outros aparelhos”, explica Newman.
“Mas sempre tem algum detalhe que chama a atenção. Com no caso da pessoa que declarou ter um modelo de TV que nem cabia na sala dela.”
Se fora das seguradoras o perfil dos investigadores é de policiais aposentados e profissionais mais experientes, dentro, os analistas são cada vez mais jovens, com formação em tecnologia e inteligência de mercado.
CRESCE A PARTICIPAÇÃO FEMININA EM GOLPES CONTRA SEGURADORAS
As características dos fraudadores de seguros se diversificam, mas guardam semelhanças em diversos países, segundo pesquisa recente da consultoria KPMG.
A pesquisa traçou o perfil de 750 fraudadores em vários setores no mundo, incluindo o mercado de seguros, mostrando que quase oito em cada dez fraudadores são homens. Mas a proporção de mulheres em golpes tem aumentado: passou de 13% em 2010 para 17% em 2015.
No segmento de seguros, foram reportados 101 casos de fraudes no estudo, com prejuízo médio de US$ 153 mil.
A maioria dos golpistas (68%) são pessoas experientes, com idade entre 36 e 55 anos, e 14% estão na faixa etária entre 26 e 35 anos.
“A motivação financeira e a cobiça ainda são as principais razões para cometer uma fraude. Mas 27% informaram que praticam golpes porque consideram que têm poder para isso e têm simplesmente vontade”, diz Antonio Gesteira, líder de prática forense da KPMG no Brasil.
A consultoria tem um laboratório especializado em São Paulo para ajudar nas investigações, é o “CSI” da empresa.
Os grupos de fraudadores são formados muitas vezes por profissionais tanto de dentro como de fora da empresa.
Cerca de 60% atuam em conluio com golpistas ou são ex-empregados, por isso o executivo destaca a necessidade de mecanismos internos de inteligência e monitoramento dentro das empresas para evitar fraudes. Dois terços deles são executivos, diretores ou gerentes das companhias.
O advogado Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, lembra que os segurados também são alvo de fraudes praticadas por pessoas nas empresas.
“Provamos em um processo na Justiça que o carro de uma cliente não havia sido vendido ao Paraguai, como alegava a companhia de seguros. A vítima era a segurada e não a seguradora.” A quadrilha foi denunciada à Justiça.