Um homem além do seu tempo, diz ministro Sanseverino em seminário que homenageou Ruy Rosado
“O ministro Ruy Rosado sempre foi um homem muito além do seu tempo, sempre foi um sonhador e um humanista”, afirmou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino no encerramento da Jornada Ruy Rosado. Para o ministro, coordenador científico da jornada, “o exemplo que o ministro Ruy deixa é de que vale a pena sonhar com um Judiciário melhor, com um Brasil melhor”.
O evento, que aconteceu nesta segunda-feira (2) no auditório do STJ, em Brasília, relembrou a trajetória e as principais contribuições jurídicas do ministro Ruy Rosado de Aguiar, que atuou no tribunal até se aposentar, em 2003, e faleceu em agosto, aos 81 anos. Durante todo o dia, vários professores, magistrados e amigos de Ruy Rosado falaram sobre ele apresentando suas mais variadas facetas: juiz, professor, pai e cidadão.
Juizadosespeciais
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes fez uma homenagem a Ruy Rosado no encerramento do evento, falando de dois temas: seu papel na criação dos juizados especiais e seu entendimento na questão da prisão civil por dívida.
Segundo Gilmar Mendes, o produto do trabalho do ministro Ruy Rosado na elaboração do projeto de lei que permitiu a modernização do sistema de Justiça foi fundamental para o avanço do Brasil.
“A democratização do acesso à Justiça Federal aconteceu a partir da criação dos juizados especiais. Esse é um legado importante no qual Ruy Rosado teve participação decisiva com todo o seu conhecimento”, afirmou.
Em relação ao tema da prisão civil por dívida, de acordo com o ministro do STF, Ruy Rosado não se conformava com a questão e insistia em debatê-la, defendendo que o Pacto de San José da Costa Rica havia revogado essa possibilidade de encarceramento.
“Rosado teve participações decisivas em casos importantes, foi um jurista, um amigo, uma pessoa que estava sempre disposta a ajudar. Mas quero destacar que uma de suas contribuições mais marcantes, decisivas, foi o seu trabalho nos juizados especiais federais. Por tudo o que isso hoje significa no Brasil. É inegável que o estado social brasileiro não poderia ser pensado sem a presença dos juizados especiais”, concluiu.
Direito civil e arbitragem
Mediado pelo ministro Raul Araújo, o painel sobre direito comercial e arbitragem destacou a atuação de Ruy Rosado e, em especial, sua contribuição para a realização das Jornadas de Direito Civil. “Tive a oportunidade de organizar com ele pelo menos duas Jornadas de Direito Civil”, lembrou Raul Araújo.
Segundo o ministro, o debate a respeito da arbitragem é importante, porque “temos um sistema judicial no Brasil desafiado por um enorme número de demandas que exigem o desenvolvimento de novas formas mais modernas e alternativas de solução de conflitos, sob pena de se mergulhar em um panorama verdadeiramente caótico”.
Para o advogado e professor Fábio Ulhoa Coelho, a atuação do ministro Ruy Rosado foi fundamental para a elaboração do Projeto de Lei do Senado 487, de 2013, que prevê um novo Código Comercial.
“O projeto, que tramita no Poder Legislativo desde 2013, resultou da iniciativa de uma comissão de juristas presidida pelo ministro João Otávio de Noronha. O ministro Ruy Rosado tinha muita clareza, externou isso diversas vezes, sobre a pertinência do código próprio de direito comercial”, afirmou.
O advogado Ernesto Tzirulnik, sócio fundador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), destacou a atuação de Rosado sobre a questão dos contratos de seguros. “O ministro Ruy Rosado defendia a ação direta das vítimas contra a seguradora de responsabilidade civil, quando isso era considerado no setor securitário um crime”, relembrou.
O advogado Roberto Rosas destacou a importância de Rosado para a criação das jornadas e o debate sobre o direito civil. “As Jornadas de Direito Civil surgiram em 2002, com o novo Código Civil, e tinham a proposta de discutir as grandes questões. Então, o ministro trouxe advogados, magistrados e professores para debater os temas. Quando ele teve essa ideia, houve um ceticismo muito grande por reunir um grupo tão heterogêneo. Mas foi um sucesso”, afirmou.
Consumidor
No painel que teve como tema o consumidor e as obrigações contratuais, a discussão foi moderada pelo desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) Rogério Fialho.
O ministro Herman Benjamin citou decisões de Ruy Rosado sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), separando os quatro primeiros e os quatro últimos acórdãos sobre o tema com seus votos.
Ele destacou que posições defendidas por Rosado foram vanguardistas – mesmo sendo vencidas na época –, tais como a aplicabilidade do CDC nas relações jurídicas existentes quando o código entrou em vigor. “A questão era dificílima para o meio jurídico, e Ruy, em 1994, já estava com a posição que se tornou a atual”, resumiu Herman Benjamin ao destacar o voto do ministro no REsp 45.666.
A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cláudia Lima Marques destacou que as comemorações dos 30 anos do CDC incluem o ministro Ruy Rosado, fundamental para a concretização do microssistema de proteção ao consumidor. Ela lembrou que o CDC precisava de “uma mente brilhante” para ter efetividade, e isso pode ser verificado nas diversas decisões de Rosado, como no REsp 45.666, citado pelo ministro Herman Benjamin.
Por sua vez, o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Adalberto Pasqualotto apontou a imparcialidade como qualidade marcante de Ruy Rosado.
Entre os julgamentos, o professor lembrou a posição do ministro Rosado no caso dos juros da caderneta de poupança durante o governo Collor. Um dos questionamentos feitos pelo sistema financeiro na época era se o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) teria legitimidade para propor a ação. Pasqualotto contou que Ruy Rosado inverteu o raciocínio e defendeu de forma convincente a legitimidade do instituto para a defesa dos consumidores.
Obrigações
O painel que tratou de obrigações foi presidido pelo ministro Moura Ribeiro. Participaram das discussões os ministros aposentados do STJ Cesar Asfor Rocha e Francisco Cláudio de Almeida Santos, além do advogado Ricardo Barbosa Alfonsin.
Cláudio Santos destacou a extensa atuação de Ruy Rosado nas áreas do direito privado, com destaque para a aplicação da teoria do adimplemento substancial e do princípio da boa-fé. Como exemplo, citou, entre outros, os Recursos Especiais 76.362, 309.626 e 438.857.
O ministro Cesar Asfor Rocha elogiou o notável saber jurídico e o senso de justiça de Ruy Rosado ao proferir suas decisões. Destacou também o tratamento carinhoso do colega ao tratar as pessoas à sua volta. “Ruy julgava pelos princípios. Sem fugir da legalidade, ele inovava, mas sem destoar daquilo que estava posto. Ele não fazia um rompimento, nunca fez um rompimento; ele tinha respeito às tradições e aos precedentes”, afirmou Cesar Rocha.
Já o advogado Ricardo Barbosa Alfonsin relembrou importantes decisões de Rosado na área do crédito rural. Mencionou, entre outros, o REsp 205.532, que tratou do direito de revisão, repetição e compensação do indébito, e o Resp 259.584, que dispôs sobre os juros remuneratórios do artigo 5º do Decreto-Lei 167/1967. “Até hoje esses precedentes são respeitados no STJ”, disse.
Justiça eficaz
No painel mediado pelo ministro Ribeiro Dantas, debateu-se o tema inovação e educação. Também fizeram parte da mesa o ministro aposentado do STJ Gilson Dipp e os desembargadores do Rio Grande do Sul Antonio Guilherme Tanger Jardim e Eladio Lecey.
Gilson Dipp comentou a participação de Ruy Rosado no processo de criação dos juizados especiais. “Ruy sempre foi um crítico da morosidade, do formalismo excessivo do Poder Judiciário, do excesso de recursos. Sempre foi preocupado em participar de qualquer ação que pudesse levar a uma Justiça mais rápida, eficaz e informal.”
Antonio Tanger Jardim e Eladio Lecey também comentaram sobre o engajamento do ministro Ruy Rosado com a criação dos juizados e lembraram a contribuição desses órgãos para o aumento da resolução de demandas mais simples no Judiciário.
Fonte: Portal STJ