Liberação de caminhões deve desencadear reclamações junto a seguradoras
Empresas poderão acionar seguradoras para cobrir prejuízos causados por paralisação nas estradas
Aline Brontazi, O Estado de S.Paulo
A liberação dos caminhões parados durante a greve da categoria que entra no seu décimo dia deve vir acompanhada de uma onda de avisos de sinistros de empresas seguradas junto a seguradoras em uma tentativa de atenuarem os prejuízos bilionários com as paralisações. Embora o risco greve seja um evento excluído em boa parte das apólices corporativas no Brasil, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, em alguns casos, é possível acionar o seguro para repor parte das perdas.
As apólices que podem ser motivadoras de reclamações são as que protegem a carga durante o transporte e ainda em outros ramos como, por exemplo, nos contratos que visam a indenizar as empresas por perdas operacionais. Isso porque os clientes segurados podem recorrer às seguradoras, de acordo com o advogado Ernesto Tzirulnik, do escritório Ernesto Tzirulnik Advocacia (ETAD), por meio da cobertura para lucros cessantes, que indeniza as companhias em caso de prejuízo pela interrupção de atividades.
“A falta de insumos diversos poderão levar a quebras de máquinas, inadimplementos e outros danos incontáveis e poderão, a depender dos textos das apólices, caracterizar sinistros cobertos”, explica o especialista, ponderando que cada cláusula e situação têm de ser examinadas individualmente.
De acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, fabricantes que tiveram suas cargas danificadas nas paralisações, supermercados que perderam vendas pelo desabastecimento de produtos nas gôndolas, termoelétricas impactadas pela falta de diesel, que podem, inclusive ter quebra de máquinas como reflexo da greve dos caminhoneiros, são exemplos de companhias que podem acionar as seguradoras em busca de indenizações. Até mesmo porque diversas cadeias foram afetadas, incluindo fábricas que deixaram de produzir, empresas que suspenderam vendas e exportações, dentre outros prejuízos que beiram a casa de bilhões de reais.
“Com a liberação dos caminhões, esperamos uma enxurrada de sinistros junto às seguradoras. Todo tipo de sinistro pode ocorrer como, por exemplo, dano às cargas, saques. Vale lembrar, contudo, que uma minoria das empresas contrata a cobertura adicional de greve em suas apólices corporativas”, diz o diretor de Transportes da seguradora Argo, Salvatore Lombardi Júnior.
Não há, conforme ele, números oficiais dos contratos de seguros que contemplam o risco greve. O especialista pondera, entretanto, que ausência desse tipo de evento no Brasil faz com que poucos contratos abranjam tal cobertura, o que pode mudar depois da greve dos caminhoneiros no País.
Apesar do cenário de perdas, em geral, greves são um evento excluído na maior parte das apólices no Brasil. Essa semana, por exemplo, a Petrobras prorrogou o seu programa de seguros nacionais pagando taxas ainda menores mesmo em pleno cenário de paralisações, que afetaram a distribuição de combustíveis, e ainda da ameaça de um movimento similar por parte dos petroleiros. As apólices, cujo sindicato responsável é formado pela Chubb Brasil, na condição de líder, Tokio Marine e BB Mapfre, não têm cobertura para esse tipo de evento.
“A renovação de seguros da Petrobras não teve impacto nas taxas porque as apólices não contemplam cobertura para greve nem para locaute – quando o movimento é conduzido pelas próprias empresas empregadoras”, explica uma fonte próxima à companhia na condição de anonimato, acrescentando que, ao contrário, a estatal reduziu seu custo ao entregar melhora operacional, em termos de governança corporativa e ainda na sua estratégia de desinvestimentos.
Calculando o prejuízo. No caso do ramo de transportes, além do volume de prêmios de seguros que tende a minguar uma vez que os caminhões ficaram sem transitar nos últimos dias, é esperado que as empresas proprietárias das cargas comecem a fazer as contas do prejuízo por conta das paralisações. Por ora, conforme o vice-presidente da Pamcary, especializada em seguros para transportes, Artur Santos, ainda não foram registrados avisos de sinistros, o que deve começar a ocorrer após a liberação dos caminhões parados.
“As empresas vão, primeiro, avaliar eventuais danos, principalmente, das cargas de produtos perecíveis, para depois acionarem suas seguradoras”, avalia ele.
De acordo com o especialista, uma minoria das empresas que usam o modal rodoviário para transportar suas mercadorias tem cláusulas em suas apólices para risco de greve. Em geral, os seguros de responsabilidade civil do transportador não contam com essa cobertura. Já as proteções contratadas pelos proprietários das cargas podem contemplar eventuais danos ocorridos por conta de greves caso tenham a cobertura específica para esse tipo de risco.
Cassio Amaral e Thomaz Kastrup, do escritório Mattos Filhos, esclarecem que eventos como greve, locaute, quando a ação é motivada pelos próprios empregadores, terrorismo, são exclusões clássicas nos contratos de seguro e resseguro. “Trata-se da mesma cláusula das apólices dos bancos quando ocorreram as manifestações na Avenida Paulista, no passado, com pessoas depredando algumas agências bancárias”, explica Kastrup.
Amaral, do Mattos Filho, acrescenta que quaisquer eventos que gerem efeitos em cascata tendem a ser excluídos das apólices de seguros, o que poderia motivar uma série de negativas por parte das seguradoras para empresas que baterem em suas portas tentando atenuar os prejuízos obtidos com a greve dos caminhoneiros. Ele lembra, porém, que impactos indiretos por conta da greve dos caminhoneiros podem justificar o acionamento das seguradoras. E, novamente, vai depender de caso a caso para saber se o segurado tem direito à indenização. Na prática, a conta, conforme especialistas, pode ser dividida com as seguradoras ainda que greve seja um risco excluído da maioria das apólices corporativas no Brasil.
Fonte: Portal Estadão