Como a nova Lei do Distrato Imobiliário afeta o seguro garantia
Uma preocupação refere-se a quando deve o segurado ou beneficiário do seguro garantia avisar o sinistro à seguradora.
Nos últimos dias de seu mandado, o ex-presidente Michel Temer sancionou uma nova lei que ficou conhecida como “Lei dos Distratos Imobiliários” (Lei nº 13.786/18). Na verdade, a nova lei altera trechos das Leis nºs 4.591/64 e 6.766/79, com o objetivo de disciplinar os casos de atrasos na entrega de imóveis bem como as situações em que o comprador de imóveis na planta desiste do negócio antes da entrega do empreendimento.
A norma prevê tolerância de até 180 dias de atraso para a entrega do imóvel, sem que a construtora tenha de pagar multa ou sofrer qualquer tipo de punição. A estipulação dessa tolerância de atraso produz reflexos nos contratos de seguro garantia, nos quais o construtor/incorporador adquire a garantia do seguro em benefício do adquirente do bem imóvel. A boa execução do contrato constitui o objeto da garantia desse tipo de seguro, em que o inadimplemento do construtor ou incorporador constitui o fato gerador do dever de indenizar da seguradora.
No caso dos contratos para a aquisição de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano, o seguro garantia comercializado em favor dos adquirentes das unidades visaria a indenização de eventuais prejuízos decorrentes do inadimplemento do construtor ou incorporador. O sinistro se configura justamente quando a execução não ocorre, ou ocorre inadequadamente – fora do prazo e/ou das condições e especificações pactuadas no contrato principal cuja execução é o objeto de proteção pelo seguro.
Como exemplos de desconformidades que caracterizam o inadimplemento, lembrem-se os casos de entrega de unidade em condomínio horizontal sem o término do átrio, das unidades de garagem, do elevador para acesso à unidade ou a falta de habite-se.
Com a nova lei, caso a entrega do imóvel ultrapasse o prazo de tolerância de 180 dias, o comprador pode solicitar a devolução integral de todos os valores pagos e a multa estabelecida, em até 60 dias corridos, a serem contados a partir da resolução e com a devida correção monetária.
Uma primeira preocupação refere-se a quando deve o segurado ou beneficiário do seguro garantia avisar o sinistro à seguradora. O art. 771, do Código Civil, diz que deve fazê-lo prontamente. Cabe saber se o sinistro ocorre quando o imóvel deveria ser entregue originalmente ou no final do período seguinte, de 180 dias. Certamente, o sinistro somente pode ser considerado ocorrido após o decurso do prazo de 180 dias previsto no contrato, isto é, diante da isenção das consequências típicas do inadimplemento (resolução e pena).
Poder-se-ia dizer o contrário, contudo, argumentando que é logicamente necessário aceitar a ocorrência do inadimplemento para, só assim, neutralizar a sua consequência contratual. Ou seja, ao admitir ocorrido o inadimplemento é que o legislador pôde excepcionar a sua consequência. Assim, se configurado o inadimplemento, o sinistro também estaria configurado, independentemente de a nova lei neutralizar a consequência resolutiva decorrente do atraso na entrega do imóvel.
De todo modo, a lei somente atribuiu eficácia liberatória quando as partes tenham previsto expressamente essa mesma liberação. Assim, o que a lei fez não foi outra coisa senão atribuir validade à regra contratual no sentido de que o atraso de até 180 dias não gerará as consequências de um inadimplemento e, portanto, inadimplemento não será.
Os segurados, contudo, precisam ter atenção em relação à notificação ou comunicação do sinistro à seguradora. Não custa a exacerbada prudência de avisar a seguradora quando o atraso tiver início, isto é, quando o sinistro se tornar uma expectativa e tiver início o período de purgação.
Outro ponto relevante é a cumulação entre seguro e repetição das quantias pagas a título de preço. Independentemente da restituição de valores pagos pelo adquirente à construtora ou incorporadora, o primeiro tem direito ao recebimento do seguro, pois o sinistro se configura em consequência do inadimplemento na execução do contrato que é objeto da garantia.
A mera restituição de quantias pagas não é capaz de afastar os danos causados pelo distrato ou pela resolução do contrato. Nesses casos, a frustração do planejamento familiar e de empresas para o empenho de substancial quantia para aquisição de bem imóvel cuja entrega se atrasa por mais de seis meses gera inegáveis danos, que por vezes podem ultrapassar os montantes eventualmente já pagos à construtora/incorporadora. Portanto, é preciso apurar os prejuízos decorrentes do inadimplemento do tomador que serão objeto da indenização a ser paga pela seguradora.
Não se trata aqui de reivindicar a indenização por danos indiretos ou especiais, isto é, aqueles que se encontram sujeitos a situações invisíveis para as partes no momento da celebração do contrato imobiliário, mas os danos diretos, sejam emergentes, sejam lucros cessantes, que normalmente se há de esperar no caso do inadimplemento contratual em espécie. São exemplos de consequências esperadas a necessidade de alugar depósito para os móveis e eletrodomésticos ou outros equipamentos a serem instalados no imóvel adquirido, e a prorrogação do aluguel da moradia anterior.
A nova redação conferida ao §2º, do art. 43-A, da Lei n. 4.591/64, por seu turno, diz que após o vencimento dos 180 dias será devida ao adquirente indenização, por ocasião da entrega da unidade, equivalente a 1% do valor efetivamente pago para cada mês de atraso, além da devida correção monetária.
A entrega do imóvel após o prazo de 180 dias não afetaria a configuração de sinistro para efeito de indenização por seguro garantia. Todavia, como o imóvel é entregue, embora com atraso, os valores recebidos do construtor/incorporador a título de indenização ao adquirente deverão ser deduzidos da indenização de seguro. Isto porque o seguro garantia não oferece garantia equivalente ao valor do contrato cuja execução é objeto da garantia, mas sim confere ao beneficiário cobertura pelos prejuízos decorrentes do sinistro até o limite de cobertura da apólice. O beneficiário, portanto, não lucrará com o sinistro, apenas será indenizado pelas consequências negativas do inadimplemento de obrigação pelo tomador.
VITOR BOAVENTURA – Advogado, sócio de ETAD – Ernesto Tzirulnik Advocacia.