A reforma da operação de resseguro proposta pelo governo
Paulo Luiz de Toledo Piza e Gustavo Palheiro Mendes de Almeida*
No apagar das luzes de 2019, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP publicou o Edital de Consulta Pública nº 12/19, dando conta da minuta de resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, por meio da qual se pretende equiparar as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) e operadoras de planos de assistência à saúde (OPS) ao que a legislação denomina “cedentes”, autorizando-as, assim, à contratação direta de resseguro.
A pretendida resolução também trata das entidades abertas de previdência complementar (EAPC). Contudo, em vez de equipará-las às “cedentes”, ela as equipara às “seguradoras”, “desde que atendam às condições impostas a estas” pelo próprio CNSP. Mas por que razão a minuta não equipara também as EFPC e as OPS às “seguradoras”, optando pelo emprego da palavra “cedentes”?
Isso talvez decorra do entendimento de que, à luz do Decreto-Lei 73/1966 e da Lei Complementar 126/2007, o CNSP não tem competência para regulamentar as EFPC e as OPS, e a SUSEP não tem competência para fiscalizá-las. Daí embutir a minuta de resolução a ideia de que o CNSP estaria regulamentando e a SUSEP passaria a fiscalizar apenas as “operações de resseguro” que as EFPC e as OPS viriam a realizar, na crença de que estas operações se qualificariam como autênticas operações de resseguro, logo sujeitas à atuação regulamentar do CNSP e fiscalizatória da SUSEP.
A Lei Complementar 126/2007 conceitua como “cedente”, literalmente, “a sociedade seguradora que contrata operação de resseguro”. Ou seja, ao equiparar as EFPC e as OPS a “cedentes”, para fins de resseguro, a projetada resolução não faz senão equipará-las, por decorrência legal, às seguradoras. Ela, contudo, assim o faz sem estabelecer que as EFPC e as OPS tenham de “atender às condições impostas” às seguradoras pelo CNSP, como seria necessário e como foi imposto às EAPC para poderem contratar resseguro, expressamente deixando-as imunes a inspeções in loco e exigências fiscalizatórias por parte da SUSEP.
Para isto, propõe seja alterada a redação do art. 44 da Resolução CNSP 168/2007, substituindo “cedentes” pela referência apenas às entidades supervisionadas pela SUSEP, isto é, pela menção das seguradoras, EAPC e resseguradoras locais. Todavia, ao propor esta alteração, o que a minuta faz é confirmar que a regulamentação do setor, coerentemente com a definição restrita que a Lei Complementar 126/2007 emprestou à palavra “cedente”, sempre compreendida, para fins de resseguro, como sinônimo de “sociedade seguradora”.
Essas manobras, no final das contas, são indicativas de que as EFPC e as OPS, diferentemente das sociedades cooperativas autorizadas a operarem em seguros privados e das EAPC, não estruturam suas operações do mesmo modo que as sociedades seguradoras.
O contrato de resseguro pressupõe, sempre, num dos polos da relação, a presença uma empresa com características específicas – a empresa de seguros. Uma empresa que, como referido, só é capaz de funcionar a partir da gestão de uma massa de contratos de seguro, o que faz através do emprego de uma técnica que lhe é peculiar. Qualquer outro tipo de empresa, que não se estruture e opere tal como uma seguradora e não atenda aos diversos mecanismos e limites impostos por lei e pela natureza da operação não se verá em condições de comercializar seguros.
Por esta ordem de razões, no cenário atual, sendo diversa a estrutura técnica, operacional e financeira com que são operados os planos de aposentadoria e saúde, parece impróprio falar em resseguro para EFPC, como pretendeu o art. 11 da Lei Complementar 109/2001, e para OPS, como pretendeu o art. 35-M da Lei 9.956/1998.
Nessa ordem de ideias, poder-se-ia argumentar que só é possível falar em resseguro quando o ressegurado é uma empresa de seguros, de maneira que, caso venha a ser celebrado com um ressegurador um contrato para a garantia do risco das EFPC ou das OPS, esse contrato, mesmo denominado de “contrato de resseguro”, na realidade não corresponderá a um autêntico negócio de resseguro. Tratar-se-á, eventualmente, de um contrato de seguro, ou de alguma outra garantia contratual típica ou atípica, que com o contrato de resseguro, entretanto, não poderá ser confundida.
Nesses termos, à medida que os resseguradores em atuação no Brasil, por força de lei, não podem exercer outra atividade senão a realização de operações de resseguro, pode-se questionar, no contexto legal e regulamentar atual, a possibilidade de garantirem, mesmo que apenas a título de stop loss, as EFPC, ao menos no tocante a seus planos de aposentadoria, ou com OPS. Caso, no entanto, as EFPC e as OPS passem a observar os mesmos requisitos técnicos, financeiros e operacionais a que estão sujeitas as EAPC e as sociedades seguradoras, pode-se aventar, em linha de princípio, a possibilidade de serem com elas ajustadas operações de resseguro.
Uma vez, no entanto, que o CNSP e a SUSEP não têm competência para regulamentar e fiscalizar as EFPC, as OPS e suas respectivas operações, seria talvez oportuno fosse discutido com as entidades que têm essa competência a edição de atos normativos conjuntos, fixando exigências mínimas a serem atendidas pelas EFPC e OPS, a fim de que, superada a controvérsia acerca da legalidade e constitucionalidade da resolução, possam ter acesso ao mercado ressegurador. Sozinha, parece carecer de sentido a última minuta de resolução do CNSP sobre o assunto.
*Paulo Luiz de Toledo Piza e Gustavo Palheiro Mendes de Almeida, advogados, sócios do escritório Ernesto Tzirulnik Advocacia e membros do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS)