DPVAT sofre com sintomas do coronavírus
Como se já não bastasse o fato de 50% do prêmio recolhido nesse seguro ser abocanhado pela União, a título de contribuição social, agora, sem qualquer base técnica ou legal, a equipe econômica insiste em se apropriar do dinheiro destinado às vítimas de trânsito. É fazer gentileza com o chapéu alheio, o chapéu da parte mais vulnerável.
É notória a urgência e a importância do enfrentamento e do combate à pandemia do novo coronavírus. Mas, a preocupação do governo parece ser apenas se apoderar do dinheiro das reservas que foram constituídas com muita dificuldade, ao longo de anos de má gestão (pública e privada).
A primeira investida foi feita com a Medida Provisória 904/2019, cujos efeitos foram suspensos pelo Supremo Tribunal Federal por vício de constitucionalidade. Essa medida buscava única e exclusivamente extinguir o seguro e apresentar um cronograma sobre como o fundo de reserva técnica, hoje avaliado em cerca de R$ 8 bilhões, seria paulatinamente repassado à União. Descontados eventuais custos da Seguradora Líder (que administra os recursos do DPVAT) até 2025, a diferença seria embolsada pelo governo federal da seguinte forma: de 2020 a 2022, transferência de três parcelas R$ 1,25 bilhão a cada ano, sendo o restante transferido ao final de 2025. A cada ano, os remanescentes poderiam sofrer antecipação de transferência e, na eventual falta de orçamento no período, o Tesouro Nacional deveria devolver o dinheiro. A novidade com o atual pronunciamento do governo como resposta à crise provocada pela pandemia é que os R$ 4,5 bilhões seriam consumidos à vista, já em 2020.
Sob a perspectiva de uma política pública séria e que respeite um mínimo a impermeabilidade do seguro privado, o fundo deve ser utilizado para promover as reformas necessárias ao DPVAT, eliminando os desajustes que o impedem de cumprir sua função social e compensar as vítimas dos acidentes de trânsito e suas famílias.
Mais uma vez, constatamos que se trata, fundamentalmente, de um problema de política pública e de respeito à ordem jurídica. O capital financeiro fica ileso, protegido pelo seu centurião empoderado, e o financiamento da saúde sai apenas do bolso daqueles que mais precisam.
Fonte: Portal Estadão